O ENCOBERTO

 

   IL VELATO

 
     
Terceira parte / O Encoberto

                                 (F. Pessoa, 1934)

      O Encoberto

Quando em 1540 Bandarra, sapateiro e poeta, compôs as suas Trovas, toda a gente si perguntou que coisa significava aquela linguagem obscura e profética.

Naqueles tempos em Portugal reinava o rei D. João III e depois da época dos Descobrimentos começava a decomposição do império mundial português; em pátria já si percebiam os sintomas de uma grave crise económica.
Coimbra tornou-se o centro da cultura humanistica em Portugal, mas ao mesmo tempo si reforçou a presença dos Jesuitas nas Universidades e a influência nefasta da Inquisição espanhola, introduzida em Portugal no ano de 1536, e entregada ao cardeal   D. Henrique, irmão do rei, o qual veio a ser o inquisidor-geral.

Por morte de D. João III, na falta de outros herdeiros, subiu ao trono o seu neto, D. Sebastião, que havia três anos e meio.  Durante o período da sua menoridade, foram regentes a rainha viúva e seu tio, o inquisidor-geral.
O reinado de D.Sebastião foi curto, porém empenhou-se numa empresa heróica mas arriscada, uma cruzada contra o reino mouro de Marrocos, onde perdeu a batalha e a vida em Alcácer Quibir, em 4 de agosto de 1578, quando o seu exército foi dizimado.
O seu corpo não foi encontrado e isto alimentou a lenda do seu regresso, depois de um período em terras longinquas, aquelas ilhas afortunadas (...) onde o Rei mora esperando.

Quando morreu D. Sebastião, último da Casa de Avis, subiu ao trono o cardeal-rei D. Henrique, que de facto entregou o Portugal aos Castelhanos, falecendo dois anos depois sem herdeiros.
Com a perda da independência portuguesa, teve início o Interregno Espanhol, que durou até 1640.

Já muito anteriormente corriam em Portugal as cópias das Trovas de Bandarra, sapateiro de Trancoso condenado pela Inquisição em 1541, que atingiram tanto o povo como a aristocracia.
Àquelas autênticas juntaram-se outras, apócrifas, e o nome de Bandarra passou a designar uma intensa produção de textos messiânicos, de propósitos sebastianistas e anticastelhanos.
Não por acaso Pessoa falará de Bandarra como de um plebeu, cujo coração e cuja inspiração poetica representam as aspirações do Portugal inteiro.

Nas Trovas, dirigindo-se às gerações futuras, Bandarra profetizava de um Rei, que daqui [de Portugal] deve andar, à vós [a Portugal] deve regressar, depois de um espaço de tempo, que vem obscuramente indicado como mais de trinta anos, ou muitas vezes trinta anos.

O conteúdo das Trovas foi interpretado em sentido messiânico e sebastianista, com referência à «partida» (a morte ou retiro algures no vasto império português) do rei D. Sebastião de Portugal e ao seu «regresso» (a sua ressurreição) depois de un período de mais de sessenta anos.
Porém, se poderia interpretar o mito sebastianista como uma alegoria, na qual a morte de D. Sebastião é o símbolo da independência perdida e da desagregação do império português, e o seu desejado regresso é a esperança da restauração do Reino de Portugal, historicamente encarnado pelo rei D. João IV, VIII  duque de Bragança, e seus descendentes.

Portanto, são três, como observa Pessoa, os significados da «partida» do rei: a «partida» da independência nacional, a «partida» do rei como tal e aquela do império português.

Igualmente, o «regresso» é triplo: a restauração do Reino de Portugal, o início de uma dinastia - aquela de D. João IV e dos seus descendentes - o nascimento do império judaico-cristão  (o Quinto Império).

Quanto ao regresso de D. Sebastião, Bandarra anunciou que «o Desejado» teria regressado numa manhã de nevoeiro, daonde o atributo de «Encoberto».
Com efeito, em 1640, o regresso de D.Sebastião aconteceu no nevoeiro (na incompreensão geral), porque enquanto todos acreditavam que o Encoberto fosse D. João IV de Portugal, na realidade era encoberto o evento abstracto da independência.

Sob a dinastia Filipina, que caracterizou o período do Interregno espanhol (1580-1640), formou-se em Portugal uma resistência popular espontânea à castelhanização forçada. Esta alimentou a produção de uma intensa literatura de oposição antifilipina, que prolongou-se para além da Restauração, no período da Guerra de Independência contra a Espanha.
A guerra durou vinte e oito anos e terminou em 1665, no reinado de D. Afonso VI, com a vitória decisiva dos Portugueses sobre os Espanhois em Montes Claros.

Entre aqueles que mais sustentaram a Guerra de Independência, que foi financiada em parte pela burguesia mercantil, constituída pelos cristãos-novos, encontrava-se o jesuita padre Antonio Vieira, imperador da lingua portuguesa, orador talentoso e também político inovador - foi precursor da política económica pombalina quanto ao papel da burguesia mercantil de origem hebraica - e profetico utopista.

Vieira tomou também partido contra a Inquisição portuguesa,  cujo estilo brutal denunciou.

Em 1644 foram impressas pela primeira vez as Trovas do Bandarra, das quais o Padre Vieira foi o principal expositor, depois da Restauração.
No seu livro: Esperanças de Portugal, Quinto Império do Mundo, primeira e segunda vidas de El-Rei D. João IV, ele interpretava as Trovas do Bandarra, apoiando-se também em textos bíblicos, como profecias da ressurreição de D. João IV de Portugal, futuro imperador do Quinto Império, aquele judeu-cristão.

O mito de um Quinto Império, universal, cristão, messiânico, que realizaria o advento final do Reino de Cristo na terra, já fora desenvolvido na cultura medieval pelos Espirituais.
Vieira apoderou-se do mito, elaborando-o como Quinto Império português, no qual confluiram tanto o sebastianismo e bandarrismo português, como o missionarismo jesuítico e o messiânismo judáico, transmitido pelos cristãos-novos.

Vieira interpretou as Trovas do Bandarra apontando em D. João IV «o Rei Encoberto»; demonstrou, então, a necessidade da sua ressurreição, pois morreu sem cumprir o Quinto Império. Enfim, transferiu o Quinto Império para os sucessores da mesma dinastia: para D. Afonso VI, para D. Pedro II, para o seu gorado primogênito e então para seu  filho segundo.
Por último, historicamente Vieira parece referir-se ao rei D. João V, pai de D. José I, futuro protector daquele marquês de Pombal, que, não por acaso, chamava-se Sebastião e que  actuou uma política de abertura em favor da burguesia mercantil de origem hebraica.

Entre os poetas visionários e sebastianistas, que comparecem em  Mensagem, o último parece ser o próprio Pessoa, que, da beira-mágoa, diz que vive na espera cheia de ansiedade da (segunda) «vinda» do Encoberto.
Mas o Encoberto não é senão o emissário máximo das forças espirituais que darão o ser ao Quinto Império.

Qualquer forma que este tome na sua manifestação histórica, o Quinto Império haverá de ter um carácter universal, cristão, sincrético.
Haverá de ser a união e a síntese dos quatro imperios que o precederam - Grécia, Roma, Cristandade, Europa - pois cada um desses é, a seu turno, a união e a síntese daqueles que antes existiram.
A nossa civilização aparece, de facto, como a fusão sincrética da cultura grega, da ordem romana, da moral cristã e da cultura laica europeia pós-renascentista.

O Quinto Império, essencialmente espiritual, terá de fundir os quatro impérios precedentes, com outros elementos que ainda estão de fora e dar a vida a um império universal e global.
No entanto, os tempos da sua realização ainda parecem incertos e por muitos aspectos obscuros.

Pessoa concebe a condição do Portugal como um túnel espaço-temporal, onde, partindo da escuridão da noite (os mistérios do sebastianismo), através fases de dúvidas tormentosas e incertezas políticas, si vê lentamente tornarem a calma e a esperança no futuro, até a antemanhã de um dia próximo mas não definido, onde o Portugal, ainda nevoeiro, possa encontrar novamente a sua alma mais verdadeira e espiritual.

 

   
     Terza parte / Il Velato

                          (F.Pessoa, 1934)

      Il Velato

Quando nel 1540 il ciabattino e poeta Bandarra compose le sue Trovas, tutti si chiesero che cosa significasse quel linguaggio oscuro e profetico.

Sul trono del Portogallo c'era allora il re Don Giovanni III e, dopo l’epoca delle grandi Scoperte geografiche, era cominciata la decadenza dell'impero mondiale portoghese; in patria si percepivano già i sintomi di una grave crisi economica.
Coimbra diventò il centro della cultura umanistica in Portogallo, ma allo stesso tempo si consolidò la presenza dei Gesuiti nelle Università e l’influenza nefasta della Inquisizione spagnola, introdotta in Portogallo nell’anno 1536 e affidata al cardinale Don Enrico, fratello del re, che divenne grande inquisitore.

Alla morte di Don Giovanni III, in mancanza di altri eredi, salì al trono suo nipote, Don Sebastiano, che aveva tre anni e mezzo. Durante la sua minorità, furono reggenti la regina vedova e suo zio, il grande inquisitore.
Il regno di Don Sebastiano fu breve. Impegnatosi in una eroica quanto avventata impresa, una crociata contro il regno mussulmano del Marocco, perse la battaglia e la vita ad Alcàcer Quibir, il 4 agosto 1578, quando il suo esercito venne decimato.
Il suo corpo non fu mai più ritrovato, il che alimentò la leggenda del suo ritorno, dopo un soggiorno in terre lontane, quelle isole fortunate (...) dove il Re nell’attesa dimora.

Quando morì Don Sebastiano, ultimo della Casa di Avis, salì al trono il cardinale re Don Enrico, che di fatto consegnò il Portogallo ai Castigliani, morendo due anni dopo senza eredi.
Con la perdita dell’indipendenza portoghese, ebbe inizio l’Interregno spagnolo, che durò fino al 1640.

Già da tempo in Portogallo circolavano le copie delle Trovas di Bandarra, ciabattino di Trancoso condannato dall’Inquisizione nel 1541, e non solo negli ambienti popolari, ma anche tra gli aristocratici. A quelle autentiche altre se ne aggiunsero, apocrife, e il nome di Bandarra passò a designare una copiosa produzione di testi messianici, di intento sebastianista e anticastigliano.
Non a caso Pessoa parlerà di Bandarra come di un plebeo, il cui cuore e la cui ispirazione poetica rappresentano le aspirazioni dell'intero Portogallo.

Nelle Trovas, rivolgendosi alle genti future, Bandarra profetizzava di un Re, che da qui [dal Portogallo] deve andare, a voi [al Portogallo] deve tornare, dopo un periodo di tempo, che viene oscuramente indicato come più di trenta anni, o più volte trenta anni.

Il contenuto delle Trovas fu interpretato in senso messianico e sebastianista, come riferito alla «andata» (la morte ovvero il ritiro in qualche parte del vasto impero portoghese) del re Don Sebastiano del Portogallo, e al suo «ritorno» (la sua resurrezione) dopo un periodo di più di sessanta anni.
È possibile però interpretare il mito sebastianista come una allegoria, in cui la morte di Don Sebastiano è il simbolo dell' indipendenza perduta e dello sfaldarsi dell’impero portoghese, e il  suo desiderato ritorno è la speranza della restaurazione del Regno del Portogallo, storicamente incarnato dal re Don Giovanni IV, VIII  duca di Braganza, e dai suoi discendenti.

Sono tre, dunque, come osserva Pessoa, i significati dell’«andata» del re: l’«andata» dell’indipendenza nazionale, l’«andata» del re in quanto tale e quella dell’impero portoghese.

Allo stesso modo, il «ritorno» è triplice: la restaurazione del Regno del Portogallo, l’inizio di una dinastia - quella di Don Giovanni IV e dei suoi discendenti- la nascita dell’impero giudaico-cristiano  (il Quinto Impero).

Quanto al ritorno di Don Sebastiano, Bandarra annunciò che «il Desiderato» sarebbe tornato in un mattino di fitta nebbia, da cui l’attributo di «Velato».
In effetti, nel 1640 il ritorno di Don Sebastiano avvenne nella nebbia (nella incomprensione generale), perché, mentre tutti credevano che il Velato fosse Don Giovanni IV di Portogallo, in realtà era velato l’evento astratto dell’indipendenza.

Sotto la dinastia Filippina, che caratterizzò il periodo dell’Interregno spagnolo (1580-1640), si sviluppò in Portogallo una resistenza popolare spontanea alla forzata castiglianizzazione. Essa alimentò la produzione di una vasta letteratura di opposizione antifilippina, che si prolungò ben oltre la Restaurazione, nel periodo della Guerra di Indipendenza contro la Spagna.
La guerra durò ventotto anni e si concluse nel 1665, sotto il regno di Don Alfonso VI, con la vittoria decisiva dei Portoghesi sugli Spagnoli a Montes Claros.

Tra i più attivi sostenitori della Guerra di Indipendenza, che fu finanziata in parte dalla borghesia mercantile, costituita dagli ebrei neoconvertiti al Cristianesimo, si trovava il gesuita padre Antonio Vieira, imperatore della lingua portoghese, straordinario oratore, ma anche politico innovatore - anticipò la politica economica pombalina riguardo al ruolo della borghesia mercantile di origine ebraica - e profetico utopista.

Vieira fu anche assai critico nei confronti dell’Inquisizione portoghese, di cui denunciò i metodi brutali.

Nel 1644 furono date alle stampe per la prima volta le Trovas di Bandarra, di cui il padre Vieira fu il principale espositore dopo la Restaurazione.
Nel suo libro: Speranze del Portogallo, Quinto Impero del Mondo, prima e seconda vita del Re Don Giovanni IV, egli interpretava le Trovas di Bandarra, rifacendosi anche a testi biblici, come profezie riferite alla resurrezione di Don Giovanni IV del Portogallo, futuro imperatore del Quinto Impero, quello giudaico-cristiano.

Il mito di un Quinto Impero, universale, cristiano, messianico, che realizzerebbe il ritorno finale del Regno di Cristo sulla terra, era già stato sviluppato nella cultura medievale dagli Spiritualisti.
Vieira lo fece proprio, elaborandolo come Quinto Impero portoghese, nel quale confluirono sia il sebastianismo e bandarrismo portoghese, sia il missionarismo gesuitico e il messianismo giudaico, trasmesso dagli ebrei neoconvertiti.

Vieira interpretò le Trovas di Bandarra indicando in Don Giovanni IV «il Re Velato»; dimostrò poi la necessità della sua resurrezione, poiché morì prima che si realizzasse il Quinto Impero. Infine trasferì il Quinto Impero sui successori della stessa dinastia: su Don Alfonso VI, su Don Pietro II, sul primogenito di costui morto prematuramente e quindi sul suo secondo figlio.
In ultimo, storicamente Vieira sembra riferirsi al re Don Giovanni V, padre di Don Giuseppe I, futuro protettore di quel marchese di Pombal che, non a caso, si chiamava Sebastiano e che favorì una politica di apertura verso la borghesia mercantile di origine ebraica.

Tra i poeti visionari e sebastianisti, che compaiono in Mensagem, l'ultimo sembra essere lo stesso Pessoa, che, dai bordi della propria pena, dice di vivere in trepida attesa la (seconda) «venuta» del Velato.
Ma il Velato non è che l’emissario massimo delle forze spirituali che daranno vita al Quinto Impero.

Qualunque forma esso assuma nella sua manifestazione storica, il Quinto Impero dovrà avere un carattere universale, cristiano, sincretico.
Dovrà essere l’unione e la sintesi dei quattro imperi che l’hanno preceduto - Grecia, Roma, Cristianità, Europa - perché ciascuno di essi è, a sua volta, l’unione e la sintesi di quelli che sono esistiti prima.
La nostra civiltà appare, infatti, come la fusione sincretica della cultura greca, dell’ordine romano, della morale cristiana e della cultura laica europea post rinascimentale.

Il Quinto Impero, essenzialmente spirituale, dovrà fondere i quattro imperi precedenti con altri elementi che ancora ne sono fuori e dare vita a un impero universale e globale.
I tempi della sua realizzazione appaiono, tuttavia, ancora incerti e per molti versi oscuri.

Pessoa concepisce la condizione del Portogallo come un tunnel spazio-temporale, in cui, partendo dall’oscurità della notte (i misteri del sebastianismo), attraverso fasi di dubbio tormentoso e incertezza politica, si vede lentamente ritornare la calma e la speranza del futuro, fino all’alba di un mattino prossimo ancora indefinito, in cui il Portogallo, benché immerso nella nebbia, possa ritrovare la sua anima più vera e spirituale.

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