Cada cultura há o seu dilúvio, cada
povo há o seu Noé.
Na cultura guarani o Noé dos
Tupis chama-se Tamandaré (ou Aré).
Tamandaré é “ aquele
que fundou povo”, repovoando a terra, e
a sua etimologia deriva, talves, de tab-moi-inda-ré,
como cita Câmara Cascudo.
Na tradição
indígena, de Tamandaré descendem
os Tupinambás e de Aricute, seu irmão,
os Tomimis.
Os dois irmãos,
assim como conta a lenda, viviam numa aldeia:
o primeiro era sábio, o segundo imprudente
e impulsivo. Aricute pôs em perigo a aldeia
inteira com o seu comportamento inconsiderado
e ofensivo; então Tamandaré, batendo
com o pé no chão, fez brotar um
manancial de água, que inundou a terra,
cobrindo todas as coisas. Tamandaré escapou
ao dilúvio, com sua mulher, subindo para
uma palmeira e nutrindo-se dos seus frutos; Aricute
o imitou, trepando num jenipapeiro, junto com
sua esposa, e alimentando-se com os frutos daquela
planta, até
que as águas si retiraram. Então, desceram
das árvores, separaram-se e repovoaram a terra.
No romance O Guarani,
de José de Alencar, a lenda do dilúvio
comparece como um expediente cénico extraordinário,
que põe fim aos acontecimentos narrados.
No meio de uma inundação
gigantesca, originada pela enchente do rio Paquequer,
engrossado pelas torrentes que si formam nas
encostas da Serra dos Orgãos por causa
de uma violenta tempestade tropical, encontram-se
os dois protagonistas, Cecília e Peri,
modêlos das duas almas do Brasil, a indígena
e a portuguesa. Aquela africana comparecerá mais
tarde, com respeito à época na
qual J.de Alencar ambienta o seu romance).
Atravessaram indenes os
acontecimentos dolorosos e dramaticos das respectivas
famílias e estão agora agarrados
na cúpula de uma palmeira, que os abriga
como num berço natural, inermes defronte
de tamanha catástrofe. E a água
sobe, sobe...
Porém, è a este ponto que a salvação
chega das profundidades ancestrais da cultura guarani,
com um pensamento, um bom pensamento, que no diálogo
com Cecília o recém-convertido Peri
atribui ao Senhor do Céu. A lembrança
do sábio Tamandaré, conservada na memória
coletiva indígena, aflora à mente consciente
e produz o milagre.
Forte entre os fortes,
a sua sabedoria vem de muito longe, diretamente
do Senhor do Céu, que fala-lhe de noite;
mas Tamandaré não guarda só para
si aquilo que aprende, aliás, de dia transmite
aos outros membros da tribo os preciosos ensinamentos
recebidos. É a fonte da tradição
tribal. A sua existência histórica
si perde num passado de confins fabulosos, longe,
bem longe.
Como o tempo do dilúvio.
Quando Peri conta aquele
pensamento, que chegou misteriosamente à sua
mente, e refere a lenda do dilúvio, assume
um tom solene, como si estivesse lendo um livro,
o livro oral da sua tribo.
Choveu, então, e
as águas começaram a cobrir toda
a terra. Os homens subiram aos montes, Tamandaré ficou
na várzea com sua esposa.
Em vão os exortou
a ficar com ele, a seguir os seus conselhos,
a aceitar o dilúvio: tolos, eles não
quiseram escutá-lo e foram para as montanhas.
Porém, o sábio Tamandaré seguiu
os ensinamentos que lhe tinham sido transmitidos;
nisto consiste a sua sabedoria.
Ficando só na várzea
com a sua companheira, subiu com ela até a
cúpula duma palmeira, onde, nutrindo-se
dos frutos da planta, esperou que tudo se seguisse.
E por tres dias e tres noites não teve outro
senão o dilúvio: a terra,
as árvores, as montanhas foram submergidas.
Todos morreram.
Mas a corrente incessante
da água que subia cavou a terra em volta
das raizes da planta, na qual encontrava-se Tamandaré com
sua esposa, e a palmeira erradicada, nova arca,
começou a flutuar livremente à
flor da água, seguindo dócilmente o
seu movimento e subindo com ela acima de todas as
coisas.
Por tres dias e tres noites
as águas permaneceram altas, depois começaram
a descer até que descobriram a terra.
A luz do novo dia mostrou
a palmeira arraigada no solo fertil da várzea
e o bater das asas de uma.avezinha, o guanunbi,
marcou o fim do tempo do dilúvio.
Tamandaré como Noé sabe
entender as mensagens que chegam da natureza,
que se vai recompondo depois do cataclisma: vê a
palma plantada na várzea, ouve o bater
das asas do guanumbi. Na tradição
bíblica do dilúvio é uma
pomba, que leva no bico um ramo de oliveira,
que anuncia o tempo pós-diluviano.
Então, Tamandaré e
a sua companheira desceram da palmeira e repovoaram
a terra.
Peri como Tamandaré.
Lembrando as façanhas do mítico progenitor,
o índio Peri compreende que para vencer o dilúvio
não basta subir para uma árvore, mas
precisa de uma jangada. E assim, por amor, cumpre
a empresa titânica de arrancar completamente
do solo a palmeira sobre a qual encontra-se com Cecília,
a qual, como uma jangada, começa a flutuar
levada pela correnteza.
O Guarani
termina com a feliz imagem dos dois protagonistas,
Cecília e Peri, que escapados ao dilúvio,
vão na palmeira-jangada ao encontro da vida.
Do índio Peri,
selvagem benfazejo das florestas do Brasil, e
da portuguesa Cecília, deriva a genealogia
ideal do povo brasileiro, como parece sugerir
J.de Alencar, a qual depois será enriquecida
pelo generoso sangue africano.
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Ogni cultura ha il suo diluvio, ogni popolo ha il
suo Noè.
Nella cultura guaranì il
Noè dei Tupì si chiama Tamandarè(o
Arè). Tamandarè è “colui
che fondò nazioni”, ripopolando
la terra, e la sua etimologia deriva forse da tab-moi-inda-ré,
come riporta Câmara Cascudo.
Nella tdizione indigena
da Tamandarè discendono i Tupinambà e
da Aricute, suo fratello, i Tomimì.
I due fratelli, come narra
la leggenda, vivevano in un villaggio: il primo
era saggio, il secondo imprudente e impulsivo.
Aricute mise in pericolo l’intero villaggio
con il suo comportamento avventato e offensivo;
allora Tamandarè, battendo il suolo con
il piede, fece scaturire una sorgente d’acqua,
che inondò la terra, ricoprendo ogni cosa.
Tamandarè
scampò al diluvio, con sua moglie, salendo
in cima a una palma e nutrendosi dei suoi frutti;
Aricute lo imitò, arrampicandosi su un albero
di jenipapo insieme alla sua sposa e alimentandosi
con i frutti di quella pianta, finché le acque
si ritirarono. Allora scesero dall’albero,
si separarono e ripopolarono la terra.
Nel romanzo Il Guaranì,di
Josè de Alencar, la leggenda del diluvio
compare come straordinario espediente scenico,
che mette fine alla vicenda narrata.
Nel mezzo di una gigantesca
inondazione, originata dalla piena del fiume
Paquequer, ingrossato dai torrenti che si formano
alle pendici della Serra degli Organi a causa
di una violenta tempesta tropicale, si trovano
i due protagonisti, Cecilia e Perì, campioni
delle due anime del Brasile, la indigena e la
portoghese. (Quella africana emergerà più tardi,
rispetto all’epoca in cui J. de Alencar
ambienta il suo romanzo).
Hanno attraversato indenni le vicende dolorose e
drammatiche delle rispettive famiglie e sono ora
appigliati alla sommità di una palma, che li
sostiene come in una culla naturale, inermi di fronte
all’immane catastrofe. E l’acqua sale,
sale...
Ma è a questo punto
che la salvezza giunge dalle ancestrali profondità della
cultura guaranì, attraverso un pensiero,
un buon pensiero, che nel dialogo con Cecilia
il neoconvertito Perì attribuisce al Signore
del Cielo. Il ricordo del saggio Tamandarè,
custodito nella memoria collettiva indigena,
si affaccia alla mente cosciente e opera il miracolo.
Forte tra i forti, la sua
sapienza viene da molto lontano, direttamente
dal Signore del Cielo, che gli parla di notte;
ma Tamandarè non tiene solo per sé ciò che
apprende, anzi, di giorno trasmette agli altri
membri della tribù i preziosi insegnamenti
ricevuti. È la fonte della tradizione
tribale. La sua esistenza storica si perde in
un passato dai contorni favolosi, lontano, assai
lontano.
Come il tempo del diluvio.
Quando Perì racconta
quel pensiero, giunto misteriosamente alla sua
mente, e riferisce la leggenda del diluvio, assume
un tono solenne, come se stesse leggendo un libro,
il libro orale della sua tribù.
Piovve, dunque, e le acque
cominciarono a ricoprire tutta la terra. Gli
uomini salirono sulle alture, Tamandarè rimase
nella pianura insieme alla sua sposa.
Invano li esortò a
rimanere con lui, a seguire i suoi consigli,
ad accettare il diluvio: dissennati, essi non
vollero ascoltarlo e andarono sulle montagne.
Ma il saggio Tamandarè seguì gli
insegnamenti che gli erano stati trasmessi; in
questo consiste la sua saggezza.
Rimasto solo nella pianura
con la sua compagna, salì con lei fino
alla sommità di una palma, dove, nutrendosi
dei frutti della pianta, attese che tutto si
compisse.
E per tre giorni e tre notti non ci fu che il diluvio:
la terra, gli alberi, le montagne furono sommersi.
Tutti morirono.
Ma la corrente incessante
dell’acqua che saliva liberò dalla
terra le radici della pianta, su cui si trovava
Tamandarè con la sua sposa, e la palma
sradicata, novella arca, cominciò a flottare
liberamente sulla distesa d’acqua, seguendone
docilmente il movimento e salendo con essa al
di sopra di ogni cosa.
Per tre dì e tre
notti le acque rimasero alte, poi cominciarono
a scendere fino a che lasciarono scoperta la
terra.
La luce del nuovo giorno
mostrò la palma abbarbicata al suolo nella
fertile terra della pianura e il batter d’ali
di un uccellino, il guanumbì, marcò la
fine del tempo del diluvio.
Tamandarè come Noè sa
cogliere i messaggi che giungono dalla natura,
che va ricomponendosi dopo il cataclisma: vede
la palma piantata nella pianura, ode il battito
d’ali del guanumbì. Nella tradizione
biblica del diluvio è una colomba, che
stringe nel becco un ramo d’ulivo, ad annunciare
il tempo del postdiluvio.
Allora Tamandarè e
la sua compagna scesero dalla palma e ripopolarono
la terra.
Perì come Tamandarè.
Ricordando le gesta del mitico progenitore, l’indio
Perì comprende che per vincere il diluvio
non basta salire su un albero, ci vuole una zattera.
Così, per amore, compie l’impresa titanica
di eradicare completamente dal suolo la palma su
cui si trova con Cecilia, che, come una zattera,
inizia a galleggiare sospinta dalla corrente.
Il Guaranì si
conclude con la felice immagine dei due protagonisti,
Cecilia e Perì, che, scampati al diluvio,
vanno sulla palma-zattera incontro alla vita.
Dall’indio Perì,
selvaggio benefattore delle foreste del Brasile,
e dalla portoghese Cecilia, deriva la ideale
genealogia del popolo brasiliano, come sembra
suggerire J. de Alencar, che sarà arricchita
poi dal generoso sangue africano.
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