Num célebre poema escolhido na obra: O
Guardador de Rebanhos do heterónimo
Alberto Caeiro, Fernando Pessoa diz haver lido, até lhe arderem os
olhos, O livro de Cesário Verde.
Recorda então o poeta, definindo-o um camponês que anda, preso
em liberdade, pela cidade, observando as casas e as coisas que vê
pelas ruas, sem nunca perder o olhar e a naturalidade de quem repara
nas árvores e nas flores dos campos. Por isso,
conclui, Cesário Verde é um homem que tem uma grande tristeza, mesmo
se oculta, a qual o une à dor de todos os seres.
Ricardo
Reis chama-lhe Pan ressuscitado e num apontamento fragmentário sem
data, no qual Reis conta a biografia de Alberto Caeiro, Pessoa lhe
faz mencionar que a obra inteira de Caeiro é dedicada, por vontade
do próprio autor, à memória de Cesário Verde. Além disso, são
influenciados pelo poeta lisbonense os dois sonetos: Quando
olho para mim não me percebo e A praça da
figueira de manhã, incluídos na obra de Álvaro de Campos na
sua fase presensacionista. Cesário Verde é, então, um poeta
digno de atenção, se Pessoa toma interesse por ele em várias
ocasiões, fazendo que ele seja admitido no debate literário entre os
seus heterónimos, quer como objeto de observações críticas, quer
como inspirador da poesia de alguns destes.
Mas quem era
Cesário Verde na verdade? Só um empregado no comércio
e nada mais, o qual tornou-se poeta póstumo, pelo cuidado dos amigos
que souberam apreciá-lo depois de ele morrer, como sugere o
heterónimo Bernardo Soares no seu Livro do
Desassossego, ou um poeta na alma e no coração, como se
proclama ele mesmo, o qual não tem desdém pela sua atitude de
trabalhador sério e honesto. Portanto, deixando de lado a sua amada
literatura e as fantásticas árvores de sombra, majestosas e inúteis,
se dedica voluntariamente, na sua vida real, aos pomares produtivos,
não renegando absolutamente as suas origens burguesas.
Julgado por alguns um iniciador do Modernismo, por outros um
poeta realista pelos conteúdos e, ao mesmo tempo, parnasiano na
inovação poética, o lisboeta Cesário Verde (1855-1886) ocupa na
literatura portuguesa um lugar intermédio entre a revolução
baudelairiana, que vai levar em França ao Simbolismo, e o Modernismo
pessoano. Em verdade, a propensão dele para o Realismo consegue
superar a influência da herança romântica. Em Portugal, de fato,
por causa das particulares condições político-sociais da segunda
metade do século XIX, a separação da cultura do Romantismo,
sentimental e fantástica, cheia de religiosidade e popular, num
sentido idealista, mas aristocrática sob muitos aspectos, aconteceu
mais tardiamente respeito aos outros países europeus.
Cesário Verde é um expoente da sociedade lisboeta pequeno- burguesa,
irreligiosa e republicana do tempo, da qual exprime poeticamente,
num estilo elevado, o modo de sentir, os sonhos, a vida de duro
trabalho. Nisto afasta-se dos Simbolistas, que levam uma vida
amoral e estilhaçam o sentimento da realidade quotidiana,
perseguindo correspondências misteriosas na procura da origem
essencial das coisas, que transcende a ordinária percepção dos
sentidos e exprime-se através duma linguagem escura e simbólica.
Cesário quer cantar aquilo que seus olhos veem e o coração
sente, com singeleza, mas sem nada tirar à complexidade do ânimo
humano, que a cada momento muda o seu ponto de vista e não deixa
nunca de sofrer, atrás daquela ideal câmara cinematográfica que são
os seus olhos.
Publicado em 1878 em Lisboa, o poema:
Num bairro moderno representa, com uma
rápida sucessão de imagens, uma cena de vida urbana. Dez horas
da manhã. Tendo no fundo uma rua macadamizada, na qual se acham
jardins e palácios senhoris, uma jovem hortaliceira apoia sobre o
mármore de uma escada uma cesta com a sua mercadoria.
É forte o contraste entre a vida cômoda e relaxada, que se pode
entrever pelas vidraças e persianas entreabertas dos edifícios
elegantes, e o aspecto mísero, macilento, feio da moça. Ela leva
tamancos e mostra as meias de algodão azul, enquanto se curva,
estendendo os seus braços magros e pálidos, para oferecer as suas
hortaliças.
O rito da compra e venda se cumpre, diante dos
olhos do observador imperturbado, através duma moeda lançada com
desprezo por um servo – despachar ou deixar! – que vem golpear
alguns pêssegos na cesta. Enquanto a vida quotidiana escorre com
odores, sons, cores familiares, a mente do poeta divaga, jogando com
os reflexos da luz do sol e compondo imagens dos tons quase
impressionistas. Com a fantasia humaniza fruta e verdura,
descobrindo na cesta na qual estão expostas uma maravilhosa
criatura, da qual melancias, azeitonas, nabos e cachos de uva são
cabeça e cabelos e ossos e olhos. Nas posições de certos frutos si
delineia uma face, a boca, o pescoço e, descendo além dos ombros,
dois repolhos e um melão fragrante formam seios túrgidos e a
rotundidade de um ventre.
O olhar do poeta vai mais além
daquilo que se mostra na superfície e, como num zoom, a visão si dilata e si aprofunda. Agora
ele observa carnes de legumes e sangue de marascas escarlatas,
corações de tomate que pulsam, junto a cenouras semelhantes a dedos
avermelhados e hirtos. Mas eis, a visão fantástica do
poeta é interrompida bruscamente pela voz da rapariga, que o
arrasta, fazendo entrar ele ativamente na cena antes observada. E
ele presta-se a coadjuvar a fim de levantar a pesada cesta, aturdido
pela loquaz gratidão dela. O compartilhar dura
apenas um átimo.
Depois, ele retoma o caminho no seu
renovado papel de observador, seguindo com o olhar a figurinha
pálida e macilenta, que se afasta na paisagem assoalhada pelo calor
implacável de agosto. Agora as impressões vindas do ambiente
prevalecem: algumas carruagens passam de longe; um menino rega uma
trepadeira que sobe numa janela, criando uma nuvem estrelada de
gotas de água. Se sente no ar o cheiro bom do pão ainda quente e se
ouvem o chilreio alegre dum canário e as vozes que provêm das
persianas entreabertas. De cima o sol propaga pelas
frontarias das casas a sua luz amarelada. Cor de
laranja destilada, observa o poeta, com uma bela imagem que
faz lembrar os campos e uma expressão digna de um
simbolista.
A estrutura circular do poema se
fecha com a representação da jovem grácil, atarefada, a qual, com as
mãos nos ilhais, ainda apregoa com convicção as suas hortaliças.
E estas, outra vez antropomórficas na visão onírica do poeta, têm
aparência das pernas grossas, esculturais de um gigante, mas são, ao
invés, duas abóboras amarelas, de forma longa e cor que lembra a
carnação.
|
|
In una celebre poesia tratta dall’opera: Il
Guardiano di Greggi, dell’eteronimo Alberto Caeiro, Fernando
Pessoa dice di aver letto, fino a bruciarsi gli occhi, Il
libro di Cesário Verde. Ricorda poi il poeta,
definendolo un campagnolo che va, prigioniero in libertà, per la
città, osservando le case e le cose che vede per la strada, senza
mai perdere lo sguardo e la naturalezza di chi rivolge la propria
attenzione agli alberi e ai fiori dei campi. Per
questo, conclude, Cesário Verde è un uomo che mal cela una profonda
tristezza, che lo accomuna al dolore di tutti gli esseri.
Ricardo Reis lo chiama un redivivo Pan e in un appunto
frammentario non datato, in cui Reis racconta la biografia di
Alberto Caeiro, Pessoa gli fa dire che l’intera opera di Caeiro è
dedicata, per volontà dello stesso autore, alla memoria di Cesário
Verde. Sono influenzati dal poeta lisbonino,
inoltre, i due sonetti: Quando mi guardo non mi
percepisco e La piazza di figueira al
mattino, inclusi nell’opera di Alvaro de Campos nella sua
fase presensazionista. Cesário Verde è, dunque, un poeta degno
di nota se Pessoa se ne interessa in più occasioni, ammettendolo nel
dibattito letterario tra i suoi eteronimi, vuoi como oggetto di
osservazioni critiche, vuoi come ispiratore della poesia di alcuni
di essi.
Ma chi era veramente Cesário Verde?
Un semplice commerciante e nient’altro, divenuto poeta
postumo, per l’interessamento degli amici che lo apprezzarono dopo
morto, come suggerisce l’eteronimo Bernardo Soares nel suo Libro dell’Inquietudine, o un poeta nel cuore e
nell’anima, come si proclama egli stesso, che non disdegna la sua
attitudine di serio e onesto lavoratore. Perciò, lasciando da parte
l’amata letteratura e i fantastici alberi d’ombra, maestosi e
inutili, si dedica volontariamente, nella vita reale, ai pometi
produttivi, non rinnegando affatto le sue origini borghesi.
Ritenuto da alcuni un iniziatore del Modernismo, da altri un poeta
realista nei contenuti e, nello stesso tempo, parnassiano nella
innovazione poetica, il lisbonese Cesário Verde (1855-1886) occupa,
nella letteratura portoghese, un posto intermedio tra la rivoluzione
baudelairiana, che porterà in Francia al Simbolismo, e il Modernismo
pessoviano. Di fatto la sua propensione al Realismo riesce a
superare il condizionamento della eredità romantica. In
Portogallo, infatti, a causa delle particolari condizioni
politico-sociali del secondo Ottocento, il distacco della cultura
del Romanticismo, sentimentale e fantastica, intrisa di religiosità
e idealisticamente popolare, ma aristocratica per molti aspetti,
avvenne più tardi rispetto ad altri paesi europei.
Cesário
Verde è un esponente della società lisbonina piccolo- borghese del
tempo, irreligiosa e repubblicana, di cui esprime poeticamente, con
un stile elevato, il modo di sentire, i sogni, la vita di duro
lavoro. In questo si allontana dai Simbolisti, che conducono una
vita sregolata e frantumano il sentimento della realtà quotidiana,
inseguendo misteriose corrispondenze alla ricerca dell’origine
essenziale delle cose, che trascende la ordinaria percezione dei
sensi e si esprime attraverso un linguaggio oscuro e simbolico.
Cesário vuol cantare ciò che i suoi occhi vedono e il suo cuore
sente, con immediatezza, ma senza nulla togliere alla complessità
dell’animo umano, che in ogni istante cambia punto di vista e non
cessa di soffrire, dietro alla ideale macchina da ripresa costituita
dai suoi occhi.
Pubblicata nel 1878 a Lisbona, la
composizione: In un quartiere moderno
rappresenta, con una rapida sequenza di immagini, una scena di vita
cittadina. Le dieci del mattino. Sullo sfondo di una via
lastricata in cui si aprono giardini e palazzi signorili, una
giovane venditrice di ortaggi poggia sul marmo di una scalinata un
cesto con la sua mercanzia. È forte il contrasto tra la vita
comoda e rilassata, che si intravvede dalle vetrate e dalle persiane
semiaperte dei palazzi eleganti, e l’aspetto misero, macilento,
scomposto della fanciulla. Porta zoccoli di legno e mostra le calze
di cotone azzurro, mentre si china in avanti, allungando le braccia
magre e pallide, nell’atto di esibire i suoi ortaggi.
Il
rito della compravendita si compie, sotto gli occhi del distaccato
osservatore, attraverso una moneta lanciata con disprezzo da un
servo – prendere o lasciare! – che colpisce alcune pesche nel
canestro. Mentre la vita quotidiana scorre con odori, suoni,
colori familiari, la mente del poeta divaga, giocando con i riflessi
della luce del sole e componendo immagini dai toni quasi
impressionistici. Con la fantasia umanizza frutta e verdura,
scoprendo nel canestro in cui sono esposte una straordinaria
creatura, di cui cocomeri, olive, rape e grappoli d’uva sono testa e
capelli e ossa e occhi. Nella posizione di certi frutti si profila
un viso, la bocca, il collo e, scendendo oltre gli omeri, due cavoli
e un melone fragrante formano seni turgidi e la rotondità di un
ventre.
Lo sguardo del poeta va oltre ciò che si mostra in
superficie e, come in uno zoom, la visione
si dilata e si approfondisce. Ora egli osserva carni di legumi e
sangue di scarlatte amarene, cuori di pomodoro pulsanti, accanto a
carote simili a dita arrossate e irte. Ma ecco, la
fantasticheria del poeta viene interrotta bruscamente dalla voce
della fanciulla, che lo coinvolge, facendolo entrare attivamente
nella scena osservata prima. Ed egli si presta ad aiutarla a
sollevare il pesante canestro, stordito dalla sua loquace
gratitudine. La condivisione dura appena un attimo.
Poi,
egli riprende il cammino nel suo ritrovato ruolo di osservatore,
seguendo con lo sguardo la figurina pallida e macilenta, che si
allontana nel paesaggio assolato dalla implacabile calura di
agosto. Ora le impressioni provenienti dall’ambiente
prevalgono: alcune carrozze passano lontano; un monello innaffia un
convolvolo che rampica in una finestra, creando un pulviscolo
stellato di gocce d’acqua. Si sente nell’aria il profumo buono del
pane ancora caldo e si ode il trillo festoso di un canarino e delle
voci provenienti dalle persiane socchiuse. Dall’alto il sole
estende sulle facciate delle case la sua luce arancione.Color di arancia distillata, osserva il poeta, con
una bella immagine che richiama la campagna e una espressione degna
di un simbolista.
La struttura circolare della
poesia si chiude con la rappresentazione della gracile fanciulla
che, indaffarata, mani nei fianchi, ancora decanta con convinzione i
suoi ortaggi. E questi, di nuovo antropomorfi nella
visione onirica del poeta, appaiono come le gambe grosse, scultoree
di un gigante, ma sono, invece, due zucche gialle di forma allungata e dal colore che ricorda l’incarnato.
|