II. Peri
Havia já passado um ano desde que messer
Loredano tinha recebido das mãos de um
moribundo, o mapa da mina de prata. Naquela época
ele ainda era Fr. Ângelo di Luca, um frade
carmelita que chegou no sertão do Rio
de Janeiro como missionário, mas que havia
deixado o hábito e traído os seus
votos de monje por cobiça de riqueza,
depois de ter-se apoderado do mapa da mina, donde
pensava em obter dinheiro e poder. Os seus confrades
vieram a crer que ele morrera no zelo de sua
fé apostólica, porém ele,
que estava à espera de alcançar
o seu objectivo, entrou ao serviço de
D. António de Mariz como aventureiro,
com o nome de Loredano. Infelizmente, um dia,
tinha visto Cecília concebendo uma paixão
insana por ela.
Na mesma época na qual Fr. Ângelo
di Luca atravessava a sua crise religiosa, numa
tarde de verão, a família de Don
António de Mariz estava a gozar a frescura
na margem do rio Paquequer, numa pequena vale
cavada entre dois outeiros pedregosos.
Enquanto Cecília repousava num cômoro
de relva no sopé do rochedo, uma lasca
de pedra sobranceira se desencravou do seu álveo
e ia ruir sobre a menina, quando um índio
coberto com um saio de algodão, que achava-se
num lugar mais alto da eminência, meteu
o ombro à pedra que estava para cair e
lançou um grito: Iara!
D. António acudiu e arrancou sua filha
da morte, depois ofereceu agradecido a sua amizade
ao jovem índio.
Ele contou que chamava-se Peri, chefe da tribo
dos Goitacás, filho de Ararê e acrescentou
que durante uma acção de guerra,
por ocasião do incêndio que queimou
a igreja e a vila portuguesa de Vitória,
viu uma imagem de Nossa Senhora, que o impressionou
vivamente.
Nos dias seguintes, aquela visão o atormentou
amiúde; em sonho Nossa Senhora pediu-lhe
que se pusesse ao seu serviço. E como,
três dias depois, a mãe de Peri
havia contado ao filho que escapou da morte com
a ajuda de um guerreiro branco (D. António
de Mariz) e de uma virgem branca (Cecília)
intervindos, Peri não hesitou em reconhecer
a imagem das suas visões naquela moça
loura de olhos azuis, que ele havia apenas salvado
da caída fatal da lasca de pedra.
Daquele dia, Peri começou a freqüentar
a casa, acolhido como amigo por D. António
e com sentimentos alternos pelos outros, até que
Cecília não manifestou claramente
o desejo que ele ficasse para defendê-la
de outros eventuais perigos. Ainda que D. Antonio
insistisse com reconhecimento e cortesia para
que ele voltasse à sua tribo, o índio
dedicou-se inteiramente ao serviço da
moça (que personificava tão admiravelmente
a imagem de Nossa Senhora) e não quis
partir, nem mesmo quando sua mãe, viúva
de Ararê e anciã da tribo, veio à margem
da floresta para recordar-lhe os seus deveres
de filho e chefe da tribo Goitacá, insistindo,
em vão, para que ele voltasse à sua
cabana e ao seu papel entre os Goitacás.
De regresso da touça de cardos gigantes,
Loredano e seus cúmplices, sentindo-se
descobertos, perguntavam-se quem os teria chamado
de traidores.
Duvidando de que tivesse sido D. Álvaro,
Loredano, vendo-o passar, o provocou e desafiou
para duelo. Então, aproveitando de uma
trégua, enquanto D. Álvaro estava
de costas, armou a carabina e lhe disparou. O
haveria certamente matado, se Peri, que tinha
observado a cena voltando à casa de D.
António, para avisá-lo do provável
ataque dos Aimorés, não tivesse
blocado o bandeirista intervindo silenciosamente
e desviando o tiro. D. Álvaro, entretanto,
não quis punir com a morte quem acabava
de tentar de matá-lo; lhe fez mercê da
vida, com a condição de que jurasse
sobre a cruz que iria embora, para sempre, da
casa de D. António.
Peri, que tinha pensado no momento inicial em
matar Loredano e seus cúmplices, para
impedir os aventureiros de realizarem a sua trama,
resolveu a este ponto recorrer a D. Álvaro.
O cavalheiro amava Cecília e teria podido
defendê-la se acaso algo tivesse acontecido
a Peri.
Por isso, enquanto iam à casa, depois
de recíprocas manifestações
de gratidão e estima, Peri confiou a D. Álvaro
que o inimigo da família de D. António
encontrava-se entre as paredes da casa. Mas não
disse quem era.
No entanto Cecília pensava com tristeza
nas coitas de amor da sua prima Isabel, enamorada
de D. Álvaro e tratava de sufocar, num ímpeto
de altruísmo generoso para com a sua prima,
o seu próprio nascente sentimento para
com o jovem.
Vendo a menina olhar com tristeza o fundo do
fosso onde caira a prenda de D. Álvaro,
Peri desceu no despenhadeiro, e, imitando à maneira
indígena o canto da cauã para afugentar
os répteis, que se aninhavam naquele lugar,
afinal trouxe do abismo uma pequena bolsa de
seda, que continha um bracelete de pérolas,
o mesmo com que D. Álvaro intentou, em
vão, presentear Cecília.
Isabel estava no seu quarto, perturbada tendo
traído o segredo de seu amor. Cecília
entrou e para consolar a sua prima, proclamou
que D. Álvaro lhe era indiferente e que
desejava vê-la feliz e não opor-se
ao amor deles. Então lhe ofereceu o bracelete,
mentindo sobre a origem daquele objecto.
Naquele mesmo dia D. António convocou
D. Diogo e D. Álvaro no seu gabinete de
armas, sob o qual encontrava-se um socavão,
servindo de paiol, já que havia de confiar
a eles a sua última vontade e fazer o
seu testamento, em previsão do perigo
iminente. Deixou, então, por herança
ao seu primogênito D. Diogo o nome, o titulo
e a fortuna de família, que havia herdado
do seu pai; a D. Álvaro confiou a mão
e a felicidade de sua filha Cecília; enfim
revelou-lhes que Isabel, a quem chamava de sobrinha
por respeito humano, era em realidade sua filha
natural e pediu em pró dela amor fraterno
e proteção.
Depois, D. António reuniu a família
inteira e pediu a Peri, recém-chegado,
que deixasse a casa. Mas, quando deu-se conta
de que o jovem índio era ferido e entendeu
que havia arriscado a vida para salvar sua filha
Cecília pela segunda vez, matando os dois
Aimorés que por vingança lhe haviam
feito uma cilada no rio, e que era disposto para
defendê-la ainda com absoluta dedicação
do ataque iminente dos Aimorés, D. António,
reconhecendo o valor e a nobreza de alma de Peri,
lhe pediu para ficar definitivamente com a sua
família.
Na tarde desse mesmo dia, durante um passeio,
Cecília com um certo pretexto foi adiante
com seu pai, deixando que Isabel ficasse atráz
com D. Álvaro. Este observou, desapontado,
que Isabel trazia o bracelete, que ele mesmo
havia destinado a Cecília e pediu explicações.
Isabel, por parte sua, entendeu com angústia
que sua prima a havia enganado sobre a origem
daquele objecto; depois, com muitas reticências
e hesitações, declarou a D. Álvaro
o seu amor por ele. O jovem, perturbado e em
conflito consigo mesmo, havendo recebido naquele
mesmo dia por D. António a mão
de Cecília, a respeito de quem, porém,
duvidava de que ela não o amasse, desencorajou
Isabel, dizendo-lhe que eles haveriam podido
amarem-se só como irmãos.
No entanto, Loredano, conseguiu persuadir Rui
Soeiro e Bento Simões que a voz que os
havia chamado de traidores não pertencia
a D. Álvaro, nem a um ser sobrenatural,
mas certamente constituía um grave risco
para o conseguimento dos seus projectos. Avaliadas
as diversas possibilidades, os aventureiros decidiram-se
afinal a antecipar o plano e tentar o ganhar
tudo ou perder tudo, entrando em casa como se
nada tivesse passado a fim de sondarem a situação,
pondo em alerta para o dia seguinte os homens
de quem cada um dispunha - uns quinze em total
- e realizando a conjura à boca da noite.
Peri, depois de buscar, em vão, o momento
adapto para atalhar os aventureiros, pensou em
prevenir D. António do perigo que o ameaçava.
Todavia, receando de que não lhe acreditassem
ou de morrer antes de ter frustrado a trama criminosa,
foi ter com D. Álvaro e lhe revelou os
detalhes da revolta dos bandeiristas, recusando-se,
ainda, a dizer os nomes. O cavalheiro comprometeu-se
a defender Cecília a qualquer preço,
se Peri fosse morto.
Depois do jantar Cecília viu o jovem índio
e lhe propôs com ingenuidade de tornar-se
um cavalheiro como D. Diogo e D. Álvaro:
ela haveria ensinado a ele a conhecer a Deus,
a rezar e a ler.
Mas Peri, respondeu que precisava da liberdade
para viver e acrescentou que seria morto, como
um pássaro ao qual tivessem quebrado as
asas, se tivesse sido tirado da vida em que nasceu.
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II. Perì
Era passato un anno da quando messer Loredano
aveva ricevuto dalle mani di un moribondo la
mappa della miniera d'argento. In quell'epoca
egli era ancora fra Angelo di Lucca, un frate
carmelitano giunto nell'interno di Rio de Janeiro
come missionario, ma che aveva lasciato l'abito
e tradito i suoi voti monastici per ambizione
di ricchezza, dopo che si era impossessato della
mappa della miniera, da dove pensava di ricavare
denaro e potere. I suoi confratelli finirono
per crederlo morto nell'adempimento del suo apostolato,
ma egli, in attesa di conseguire il suo obiettivo,
era entrato al servizio di Don Antonio de Mariz
come soldato di ventura, con il nome di Loredano.
Infelicemente, un giorno, aveva visto Cecilia,
concependo per lei una insana passione.
Nella stessa epoca in cui fra Angelo di Lucca
viveva la sua crisi religiosa, in una sera d'estate,
la famiglia di Don Antonio de Mariz si trovava
sulle rive del fiume Paquequer, a prendere il
fresco, in una piccola vallata che si apriva
tra due alture petrose.
Mentre Cecilia riposava su un praticello erboso
ai piedi della parete rocciosa del colle, una
lastra di pietra sovrastante si staccò dal
suo alvo ed era sul punto di rovinare sulla fanciulla,
quando un indio coperto da una tunica di cotone,
che si trovava in un punto più elevato
dell'altura, puntellò con la sua spalla
la pietra in bilico e lanciò un grido: Iara!
Don Antonio accorse e strappò sua figlia
alla morte, poi offrì la sua amicizia
riconoscente al giovane indio.
Costui raccontò che si chiamava Perì,
capo della tribù dei Goitacà, figlio
di Araré e aggiunse che durante un'azione
di guerra, in occasione dell'incendio che distrusse
la chiesa e la città portoghese di Vittoria,
aveva visto un'immagine di Nostra Signora, che
fece su di lui una viva impressione.
Nei giorni successivi quella visione lo tormentò spesso;
in sogno Nostra Signora gli chiese di mettersi
al suo servizio. E poiché, tre giorni
dopo, la madre di Perì aveva raccontato
al figlio che era scampata alla morte grazie
ad un guerriero bianco (Don Antonio de Mariz)
e a una vergine bianca (Cecilia) intervenuti
in suo aiuto, Perì non esitò a
riconoscere l'immagine delle sue visioni nella
giovinetta bionda e occhiazzurra, che egli aveva
appena salvato dalla fatale caduta del masso.
Da quel giorno Peri cominciò a frequentare
la casa, accolto come amico da Don Antonio e
con alterni sentimenti dagli altri, finché Cecilia
non manifestò il desiderio che restasse
per difenderla nel caso corresse altri pericoli.
Benché Don Antonio insistesse con riconoscenza
e cortesia affinché ritornasse alla sua
tribù, l'indio si votò interamente
al servizio della fanciulla (che personificava
così mirabilmente l'immagine di Nostra
Signora) e non volle partire neppure quando sua
madre, vedova di Araré e anziana della
tribù, venne al margine della foresta
per ricordagli i suoi doveri di figlio e capo
della tribù goitacà, esortandolo
invano a tornare alla sua capanna e al suo ruolo
tra i Goitacà.
Di ritorno della macchia di cardi giganti, Loredano
e i suoi complici, sentendosi scoperti, si domandavano
chi li avesse chiamati traditori.
Dubitando che fosse stato Don Alvaro, Loredano,
vedendolo passare, lo provocò e sfidò a
duello. Poi, approfittando di una tregua, mentre
Don Alvaro gli volgeva le spalle, armò la
carabina e gli sparò. L'avrebbe certamente
ucciso, se Perì, che aveva osservato la
scena mentre si recava a casa di Don Antonio
per avvertirlo del probabile attacco degli Aimorè,
non avesse fermato l'avventuriero, intervenendo
silenziosamente e deviando il tiro. Don Alvaro,
tuttavia, non volle punire con la morte chi aveva
appena tentato di ucciderlo; gli fece grazia
della vita, a condizione che giurasse sulla croce
che avrebbe lasciato, per sempre, la casa di
Don Antonio.
Perì, che aveva pensato inizialmente,
di uccidere Loredano e i suoi complici, decise
a questo punto di cercare un alleato in Don Alvaro.
Il cavaliere amava Cecilia e avrebbe potuto difenderla
se fosse accaduto qualcosa a Perí.
Perciò, mentre si dirigevano verso la
casa, dopo reciproche manifestazioni di riconoscenza
e stima, Perì confidò a Don Alvaro
che il nemico della famiglia di Don Antonio si
trovava tra le pareti di casa. Ma non ne fece
il nome.
Intanto Cecilia pensava con tristezza alle pene
d'amore di sua cugina Isabel, innamorata di Don
Alvaro e tentava di soffocare, in un impeto di
generoso altruismo verso la cugina, il proprio
nascente sentimento verso il giovane.
Vedendo la fanciulla guardare con tristezza in
fondo al fossato, dove era caduto il dono di
Don Alvaro, Perì si calò nel precipizio
e, imitando, come solevano fare gli indigeni,
il canto del serpentario per allontanare i rettili,
trasse infine dall'abisso una piccola borsa di
seta contenente un braccialetto di perle, lo
stesso che Don Alvaro aveva tentato, invano,
di dare in regalo a Cecilia.
Isabel si trovava nella sua stanza, turbata per
aver tradito il segreto del suo amore. Cecilia
entrò e per consolare la cugina proclamò che
Don Alvaro le era indifferente e che desiderava
solo vederla felice e non ostacolare il loro
amore. Poi le regalò il braccialetto,
mentendo sull'origine di quell'oggetto.
Quello stesso giorno Don Antonio convocò Don
Diogo e Don Alvaro nella sala d'armi, sotto la
quale si trovava una cavità naturale,
che serviva da santabarbara, poiché intendeva
dettar loro le sue ultime volontà e fare
testamento, in previsione del pericolo imminente.
Lasciò, dunque, in eredità al suo
primogenito Don Diogo il nome, il titolo e la
fortuna di famiglia, che aveva ereditato da suo
padre; a Don Alvaro affidò la mano e la
felicità di sua figlia Cecilia; infine
confidò loro che Isabel, che chiamava
nipote per rispetto umano, era in realtà
sua figlia naturale e chiese per lei amore fraterno
e protezione.
Don Antonio riunì poi l'intera famiglia
e chiese a Perí, sopraggiunto, di lasciare
la casa. Ma quando si accorse che il giovane
indio era ferito e capì che aveva rischiato
la vita per salvare sua figlia Cecilia per la
seconda volta, uccidendo i due Aimorè che
per vendetta le avevano teso un agguato al fiume,
e che era pronto a difenderla ancora con assoluta
dedizione dall'attacco imminente degli Aimoré,
Don Antonio, riconoscendo il valore e la nobiltà d'animo
di Perí, gli chiese di restare per sempre
con la sua famiglia.
La sera di quello stesso giorno, durante una
passeggiata, Cecilia con un pretesto andò avanti
con suo padre, facendo in modo che Isabel rimanesse
indietro con Don Alvaro. Questi notò,
con disappunto, che Isabel portava il braccialetto,
che proprio lui aveva destinato a Cecilia e chiese
spiegazioni.
Isabel, dal canto suo, capì con sgomento
che la cugina l'aveva ingannata sull'origine
di quell'oggetto; poi, con molte ripulse ed esitazioni,
dichiarò a Don Alvaro il suo amore per
lui. Il giovane, turbato e in conflitto con se
stesso, avendo avuto proprio quel giorno da Don
Antonio la mano di Cecilia, dalla quale però dubitava
di non essere riamato, scoraggiò Isabel,
dicendole che avrebbero potuto amarsi solo come
fratelli.
Intanto Loredano aveva persuaso Rui Soeiro e
Bento Simões che la voce che li aveva
chiamati traditori non apparteneva a Don Alvaro,
né a un essere soprannaturale, ma certo
costituiva un grave rischio per la riuscita della
loro impresa. Vagliate diverse possibilità gli
avventurieri decisero infine di anticipare il
piano e tentare il tutto per tutto, entrando
nella casa come se niente fosse per verificare
la situazione, allertando per il giorno dopo
gli uomini di cui ciascuno disponeva - quindici
in tutto - e realizzando la congiura sul far
della notte.
Perí, avendo cercato inutilmente il momento
adatto per bloccare gli avventurieri, pensò di
avvertire Don Antonio del pericolo che lo minacciava.
Tuttavia, temendo di non essere creduto o di
morire prima di aver sventato le trame criminose,
si incontrò con Don Alvaro e gli svelò i
dettagli della rivolta degli avventurieri, ricusando
ancora di dirgli i nomi. Il cavaliere si impegnò a
difendere Cecilia ad ogni costo, se Perì fosse
morto.
Dopo cena Cecilia vide il giovane indio e gli
propose con ingenuità di diventare um
cavaliere conme Don Diogo e Don Alvaro. Lei gli
avrebbe insegnato a conoscere Dio, a pregare
e a leggere.
Ma perì rispose che per vivere gli era
necessaria la libertà e aggiunse che sarebbe
morto, come un passero a cui avessero tagliato
le ali, se fosse stato strappato alla vita in
cui era nato.
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