É forte o vínculo de Cecília Meireles com o
mar.
Forte como aquele com os seus antepassados: desde aqueles conhecidos
- a mãe, por breve tempo, e a avó açoriana,
que a criou - até aqueles que não conheceu - o pai
e os avôs paternos, portuguêses - que morreram
antes de ela nascer.
E no mar, metáfora da vida, está a família à qual
a poetisa brasileira sente que ela pertence, a matéria da
qual é feita: areia, água, ilha.
Pois como diz, tudo é mar.
Em Mar Absoluto (1945), a chamada forte do mar conhecido
quando era criança, adquire formas diversas
e exprime-se com outras linguagens.
É, em
primeiro lugar, a vóz
de multidões de
sombras evocadas do abismo do mar, donde
parece reemergirem estendendo mãos, que empurram, como
um barco sem rumo, Cecília viva, apesar dos pesares. Falam de si
mesmos, naúfragos
e perdidos no mar de todas as épocas
e de cada latitude, com o seu fardo pesado de recordos
e dramas vividos.
Mas como olhando através de um zoom, daquela multidão
de vultos indistintos avançam e si reconhecem os rostos amados
dos avós caidos e remotos tios afogados.
É a ligação com as suas origens históricas
e atávicas, é a relação, quase quotidiana,
com a morte, que Cecília torna a propôr, exorcizada
pelos rituais fúnebres humanos, onde se misturam os conceitos
da vida de cada dia - os trabalhos dos campos e aqueles dos pescadores
- juntos com os símbolos tradicionais do mar: redes, velas,
barcas, peixes.
Há uma consonância entre Cecília e as vozes instantes
e imperiosas daquelas sombras marinhas, que a convidam a ir, liberta
de todos os vínculos terrestres, para com a vida, representadas
metaforicamente pelo mar.
E o mar, disciplina para a empresa da vida, mestre da grande
ilusão, revela o seu carácter singular e profundo:
aquela solidão para todos os lados, aquela imperturbável
distância de todas as influências humanas e do rumorejante
formigar do mundo, que restitui ao tempo a sua integridade originária.
Silêncio e solidão, aliás, são as coisas
das quais si nutre a Poesia e Cecília Meireles pode-se considerar
Alferes da Solidão.
Porém, o mar em si, não é senão água,
em continuo movimento e mutação. E na capacidade
de transformar-se incessantemente, criando
oportunidades de vida para inumeráveis seres, sem identificar-se
com nenhum desses, está a sua inexaurivel grandeza e a sua
essência.
São os homens, e os poetas, assustados e atraidos pelo mstério
que os circunda, os quais projetam no mar algo da sua própria
humanidade e o vêem como um grande organismo.
Ora respira, ora dança, ora é um touro formidavel,
que combate uma tauromaquia.
Com o jogo das antinomias, que seduz Cecília de modo a fazer
dele uma norma estilistica da sua poesia, ela representa o mar de
fortes contrastos e cujo ritmo é balouçante, como uma
grande criança, que brinca eternamente o seu brincar.
Na humilde natura áquea do mar, que adapta-se a todas as formas,
que
flui incessantemente, que não se subtrai as mudanças,
que basta a si mesma, sem limites prestabelecidos, Cecília
sente uma nova consanguineidade e acha a sua identidade que se perdeu.
O mar é metaforicamente o poeta mesmo.
Cecília o descobre pouco a pouco, por mil indícios,
que lhe chegam e despertam a sua consciência, distraida pelo
aspecto exterior das coisas, exortando-a ao seu destino de poeta.
Uma vocação, ser poeta, à qual não se
pode subtrair-se.
Mas quem é o poeta, conforme à concepção
dos Simbolistas, senão
aquele que empreende a grande viajem e deixa o barco resvalar, levado
pela correnteza, desprendendo-se da segurança das margens,
secundando o balanceio das ondas e dos oceanos?
Cecília Meireles quer ir mais além da lição
simbolista. A viagem, já começada, que agora a voz
do mar manda que ela siga, não acontece sobre a superficie
marinha, nem debaixo da água, mas na sua
interioridade mais profunda. Nesse sentido, ela deve renovar-se completamente,
abandonar as ilusões enganadoras das afeições,
renunciando ao seu Eu, para compenetrar-se docilmente no mar absoluto,
metáfora do mundo interior.
Àquele pedido Cecília obedece com entusiasmo, desprendida
de terra
e céu, falando muda consigo só, aprendendo a solidão,
numa dimensão já sobre-humana.
Como é a condição do poeta, que entre sonho
e realidade, invisivel aos olhos dos homens, si funde com o Absoluto
e, constantemente mergulhado no abismo interior, vive na eternidade
da Poesia.
O mar visivel, porém, continua a existir nas lembranças.
Na herança de cordas e âncoras – ainda símbolos familiares do mar e talves simbolos metafisicos das próprias seguranças interiores – ou
também no recôrdo das ondas do vasto oceano, que levantando-se
tomam consistência e formas temiveis, quebrando com força.
Logo retiram-se e murmuram conselhos, para quem os saiba ler.
Diante do mar reboante e tumultuoso, o ânimo se desancora por
um instante de si mesmo, assustado e titubante. Mas em breve torna
em si.
E já a metamorfose do mar é completa. Agora não é mais
que uma pequena concha de água fervilhante, que apenas se
pode apreciar, no momento de tornar-se fugidia mancha húmida
na orla
do mar.
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É forte il legame di Cecilia Meireles con il mare.
Forte come quello con i suoi antenati: da quelli conosciuti - la
madre, per poco tempo, e la nonna azzoriana, che la allevò -
a quelli mai conosciuti - il padre e i nonni patemi, portoghesi -
morti prima che lei nascesse.
E nel mare, metafora della vita, è la famiglia cui la poetessa
brasiliana sente di appartenere, la materia di cui è fatta:
sabbia, acqua, isola.
Poiché, dice, tutto è mare.
In Mare Assoluto (1945), il richiamo forte del mare conosciuto
da bambina prende forme diverse e si esprime con altri linguaggi.
È dapprima la voce di moltitudinii di ombre evocate
dagli abissi marini, da cui sembra che riemergano tendendo mani,
che spingono, come una barca alla deriva, Cecilia viva suo malgrado.
Si raccontano, naufraghi e dispersi in mare di tutte le epoche e
di ogni latitudine, con il loro carico pesante di ricordi e drammi
vissuti.
Ma come guardando attraverso uno zoom, da quella indistinta folla
di derelitti avanzano e si riconoscono i volti amati degli avi caduti,
di lontani zii affogati.
E il legame con le proprie origini storiche e ataviche, è il
rapporto, quasi di quotidianità, con la morte, che Cecilia
ripropone, scongiurato da umani rituali funebri, in cui si
mescolano i concetti della vita di ognigiorno - il lavoro dei campi
e quello dei pescatori - insieme ai simboli tradizionali del mare:
reti, vele, barche, pesci.
C'è consonanza tra Cecilia e le voci pressanti e imperiose
di quelle ombre marine, che la invitano ad andare, sciolta da ogni
vincolo terrestre, incontro alla vita, rappresentata metaforicamente
dal mare.
E il mare, vivente insegnamento agli uomini per affrontare la
vita, maestro della grande illusione, rivela una sua qualità
singolare e profonda: quella solitudine da tutti i lati, quella imperturbabile
lontananza da ogni condizionamento umano e dal rumoreggiante brulicare
del mondo, che restituisce al tempo la sua integrità originaria.
Silenzio e solitudine altronde sono le cose di cui si nutre la Poesia
e Cecilia Meireles si può considerare Alfiere della Solitudine.
Ma il mare, in sé, non è che acqua, in continuo
movimento e mutamento. E nella capacità di
trasformarsi incessantemente creando opportunità di vita per
innumerevoli esseri, senza identificarsi totalmente con nessuno di
essi, sta la sua inesauribili grandezza e la sua essenza..
Sono gli uomini, e i poeti intimoriti e attratti dal mistero che
lo circonda, che proiettano sul mare qualcosa della loro umanità e
lo vedono come un grande organismo.
Ora respira, ora danza, ora è un formidabile toro, che combatte
una infinita tauromachia contro se stesso.
Con il gioco delle antinomie, che seduce Cecilia al punto che ne
fa un modulo stilistico ricorrente della sua poesia, ella raffigura
il mare dai forti contrasti e dal ritmo altalenante come un grande
bambino, che gioca eternamente il suo giocare.
Nell'umile natura acquea del mare, che si adatta a ogni forma chefluisce
incessantemente, che non si sottrae al cambiamento, che basta a se
stessa, senza limiti prestabiliti, Cecilia sente una nuova consanguineità,
ritrova la sua identità dispersa.
Il mare è metaforicamente il poeta stesso.
Cecilia lo scopre a poco a poco, da mille indizi, che le giungono
e che risvegliano la sua coscienza, distratta dall' aspetto esteri
ore delle cose esortandola al proprio destino di poeta.
Una vocazione essere poeta a cui non può sottrarsi.
Ma chi è il poeta secondo la concezione dei Simbolisti se
non colu che intraprende il grande viaggio e lascia scivolare la
barca nel flusso della corrente, abbandonando la sicurezza delle
sponde, secondando il movimento ritmico delle onde e degli oceani?
Cecilia Meireles vuole andare oltre la lezione simbolista. Il viaggio,
già cominciato, che ora la voce del mare le comanda di seguitare
non si svolge sulla superficie marina né sottacqua ma nella
sua interiorità più profonda. In tale senso ella deve
rinnovarsi completamenteabbandonare le ingannevoli illusioni degli
affetti rinunciando persino al proprio lo per compenetrarsi docilmente
nel mare assoluto, metafora del mondo interiore.
A tale richiesta Cecilia aderisce con entusiasmo, sospesa tra
terra e cielo, nel muto dialogare con se stessa, imparando a
conoscere la solitudine, in una dimensione già sovrumana.
Come è la condizione del poeta, che tra sogno e realtà invisibile
ad occhio umano, si fonde con l'Assoluto e, costantemente immerso
nell 'abisso interiore, vive eternità della Poesia.
Il mare visibile però continua ad esistere nei ricordi. Nella eredità di
corde e ancore - ancora simboli familiari del mare e forse simboli
metafisici delle proprie sicurezze interiori - o nel ricordo delle
onde del vasto oceano, che sollevandosi, prendono consistenza e temibile
forma, ricadendo con forza. Poi si ritirano, mormorando consigli,
per chi sappia leggerli.
Davanti al mare reboante e tumultuoso, l'animo si disancora per un
momento da se stesso, impaurito ed esitante. Poi ritorna in sé.
E già la metamorfosi del mare è compiuta, ora non è che
una piccola conca di acqua spumeggiante, che appena si può apprezzare
mentre diventa sfuggente macchia umida nel bagnasciuga.
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